Uma recente pesquisa com moradores das favelas da cidade do Rio de Janeiro evidenciou que uma expressiva maioria — próxima dos 88% — apoia uma megaintervenção policial realizada em áreas historicamente sob domínio de facções criminosas. Esse dado revela muito mais do que uma simples opinião sobre segurança pública: trata‑se de uma manifestação de desejo profundo por mudança, autonomia e liberdade em territórios que permanecem à margem do Estado.
A operação em questão visou às comunidades dos complexos da Penha e do Alemão, locais onde o domínio paralelo do crime organizado molda diariamente o comportamento das pessoas. Para muitos residentes, a ação policial representa uma ruptura — ainda que arriscada — num ciclo de medo, isolamento e controle territorial. A elevada aprovação entre moradores das favelas indica que, naquele microcosmo urbano, o apoio à repressão extrema pode refletir não apenas aprovação da ação em si, mas sobretudo o esgotamento diante da normalização de uma rotina submetida à violência.
À luz desse resultado, cabe destacar duas interpretações centrais. Em primeiro lugar, o endosso massivo à operação denuncia uma sensação persistente de abandono e vulnerabilidade. Quando 9 em cada 10 pessoas que vivem nessas comunidades declaram apoio ao uso ostensivo da força, o que se traduz é um desejo latente por presença estatal — não só para punir, mas para proteger, para garantir mobilidade, dignidade e direito de existir sem códigos paralelos. Em segundo lugar, essa aprovação serve como alerta: a política de segurança não pode se restringir a operações pontuais. Se a expectativa gerada nas ruas de terra, becos e vielas não for correspondida por políticas de inclusão, infraestrutura e cidadania, o aval dado hoje pode se converter em frustração amanhã.
Apesar da força simbólica desses números, a operação também levanta questões urgentes. Entre os moradores ouvidos, há quem viva o dilema de apoiá‑la em nome da ruptura com o domínio armadas, mas ao mesmo tempo reconheça o temor legítimo de que a repressão se torne rotina e gere danos colaterais à comunidade. A adesão à ação policial se dá no marco de um risco calculado: “é melhor que façam algo, mesmo que duro, do que continuar como se nada acontecesse”, resume um morador de uma das comunidades.
Trata‑se de uma complexa dialética entre liberação e risco. A população manifesta apoio à intervenção, mas também exige que a transição seja acompanhada por mudança de paradigma: ocupação social que ultrapasse as barreiras de contenção, que promova escolas funcionando, favelas iluminadas, ruas seguras, escolhas que não sejam determinadas pela facção. A aprovação, então, emerge como um “cheque em branco” concedido ao Estado — desde que este cumpra seu papel de torná‑se parceiro da comunidade, e não apenas invasor esporádico.
Nesse contexto, o dado de quase 90% não pode ser lido apenas como aceitação de métodos; ele se ergue como grito de urgência: comunidades que há muito esperam por ação e gesto visível. O desafio para o Poder Público agora é converter esse apoio em resultado concreto — e não em repetição de cenas de confronto. A segurança com que os moradores disseram “sim” à operação exige que o Estado diga “sim” à cidadania, à reparação, à estruturação de vidas fragmentadas.
Em suma, o aval das favelas cariocas a essa intervenção marca um momento de inflexão na relação entre cidade e periferia. É uma janela de oportunidade para se repensar a segurança como instrumento de justiça urbana — e não apenas de controle. Quando a voz dos que vivem nas encostas ressoa em números tão elevados, ignore‑la significa perpetuar o silêncio estrutural que antecede a violência. O Estado, agora em cheque, precisa responder.








