Mojubá Babá: o papel de um pai de santo 

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Neste domingo, quando é celebrado o Dia dos Pais, muitos adeptos da religião dos orixás no Brasil inteiro buscam contato com seus babalorixás e babalawos para oferecer-lhes um afetuoso parabéns. Para os praticantes das religiões afro-brasileiras, a comunidade espiritual, conhecida como Egbé na língua iorubá, é uma verdadeira família. Para muitos pais de santo, seus filhos de santo são como verdadeiros filhos. As mensagens e ligações para esses queridos pais espirituais se intensificam, e é comum que no Dia dos Pais, os filhos de orixá queiram honrar essa conexão com seu Babá.

 

A verdade é que muitas vezes o terreiro acaba se tornando uma família para os adeptos da religião, um lugar onde se busca um lar seguro, de trocas, de crescimento humano e espiritual, e um espaço de confiança e curas. Paulo de Oxalá, Babalorixá e colunista, compartilha comigo a sua alegria e como foram inesquecíveis as inúmeras vezes que celebrou o Dia dos Pais com seus filhos de santo. Para ele, ser Babá “é orientar, amar e apoiar seus filhos, ajudando-os a crescer e desenvolver valores.”

 

Encontrar esse local de cura e família nem sempre é fácil na vida de um adepto. Falo a partir de uma experiência pessoal, pois antes de me tornar Pai dentro da religião dos orixás, eu também já fui um filho. A chegada ao templo dos orixás para alguns filhos é como um reencontro de outras vidas, e muitas vezes o é. Para aqueles filhos que estão migrando de outras comunidades espirituais, pode ser uma nova tentativa de conexão, acompanhada de desconfianças e traumas. Cabe ao Babá daquele novo templo dar as boas-vindas a esse filho, compreendendo sua busca, seu destino e os avisos da espiritualidade para que sua caminhada na terra seja melhor e mais livre de sofrimentos.

 

Um aspecto importante da religião dos orixás é aprender a honrar a nossa ancestralidade, isto é, nosso pai e mãe. Alguns filhos de santo, no entanto, trazem consigo para o terreiro a história de suas relações, algumas vezes doloridas com seus pais e familiares biológicos. Muitos pais acabam rejeitando a escolha e a natureza dos seus filhos, assim como suas identidades, inclusive na questão de gênero. Assim, a comunidade do terreiro passa a ser uma referência de inclusão e aceitação desses filhos muitas vezes rejeitados e marginalizados pela sua família biológica. Para o Babalorixá Alexandre Teles, “a pessoa que busca o terreiro está procurando ser acolhida, ser compreendida, ser abraçada” e diz ainda que “dentro da concepção africana a pessoa vai encontrando a sua família na terra,” e por vezes a comunidade do terreiro passa a ser a principal família desse devoto.

 

Na prática dos orixás, busca-se através dos ritos e cultos trazer apaziguamento nos caminhos dos adeptos, através dos tratamentos espirituais, e também alívio e cura nas suas relações, inclusive com seus pais. A busca da segurança e conforto de uma família dentro da religião dos orixás pode, para alguns, ser uma jornada muitas vezes frustrante. Da mesma maneira, também ocorrem nas relações dentro das comunidades afro-religiosas mal-entendidos entre as pessoas, inclusive entre pai e filho, que podem resultar em amargas separações. Mas não deveria ser diferente, pois a comunidade do terreiro é também como todo agrupamento familiar, onde há expectativas uns sobre os outros, aspirações, frustrações, decepções e até mesmo rupturas.

 

No entanto, é justamente essa complexidade que torna a relação entre pais de santo e filhos de santo tão rica e significativa. Neste Dia dos Pais, celebramos não apenas a figura do pai biológico, mas também aqueles que, através da fé e da dedicação, se tornam pais espirituais. Eles nos ensinam que o verdadeiro amor paternal vai além dos laços de sangue, transcende preconceitos e nos conecta profundamente com nossas raízes espirituais e culturais. Mojubá Babá – Meus respeitos, meu Pai -, que todos os babalorixás e babalawos recebam hoje o reconhecimento e o carinho que merecem, e que possamos continuar fortalecendo esses laços que nos unem em uma grande família espiritual.

 

Babalawo Vitor Friary. Doutorando em Estudos Africanos e Sacerdote de Culto a Ifá, Voduns e Orixás no Brasil.

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